Times da várzea nos anos 30 a 50 Mem de Sá e Meu Clube entre outros.
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Histórias da Mooca - Parte I
Quando passou o tempo de escola, a rapaziada deu para fazer footing, nas noites de sábado e domingo, entre a rua João Antonio de Oliveira e a avenida Paes de Barros, ou para jogar futebol na várzea, possivelmente no time de Salvador Sprovieri, que o chamara pelo o nome de uma dança da moda, Black Botton, com isso ganhando muito em reputação.
Na disputa do campeonato paulista, a Mooca já entrava com o Juventus, mas o pessoal era de paixão palestrina, que permaneceu, intocada, até os dias de hoje.
Poderosos quadros varzeanos eram o Mem de Sá e o Meu Clube, enfim fundidos no Mooca Atlético clube, o Xingu, em que militavam os irmão Iervolino, e o Madri, com sede social instalada no próprio bar Madri, na esquina da rua Xingu, mais tarde Dom Bosco com Ana Neri. Dali saíam para os embates domingueiros os seus craques do primeiro e do segundo time, vestindo os seus esplendorosos uniformes, tingidos com as cores da Espanha, roxo, amarelo e vermelho. Partiam a pé, no rumo do seu campo de terra vermelha a esperá-los nas cercanias do Balão de Gás, à Margem da Avenida do Estado, e o povo surgia emocionado nas calçadas e os moleques corriam atrás daquele majestoso desfile com as camisas cheias de vento. Durante a guerra, o Madri mudaria de nome, viraria Tigre Varzeano, e nas suas fileira militaria um mito, Mario Pescoço Torto, gênio da cabeçada para contrariar a natureza que lhe colocara a cabeça sobre os ombros de forma, digamos assim, irregular, como se Mario estivesse constantemente interessado na conversa de quem se postasse à sua esquerda.
O bar Madri e seu fogoso time tinham razão de ser, já que a rua Dom Bosco era terreno dividido entre espanhóis e Italianos, sem contar que desaguava bem defronte à Vila da Merda, cortiço de cem ou mais moradias, na Ana Neri, quase todo habitado por espanhóis, lá pelas tantas empenhados em mudar-lhe o nome para vila das Flores. Em vão. No último trecho da Dom Bosco, entre rua Lins e a Ana Neri, a repartição do espaço era perfeita: os espanhóis moravam de um lado, com a única infiltração dos Tottaro, donos de vendas de bilhete da loteria,e do carroceiro Muschitiello, e os italianos do outro. Estes levavam vantagem na língua, talvez porque possuíssem vozes mais volumosas, e o dialeto napolitano era o verbo oficial.
Os espanhóis, porém, restabeleciam o equilíbrio por obra do Madri, reconhecido como time de toda a rua, e da Zambomba, espécie de folia de reis organizada por um certo Campana ao som de pandeiro ciganos e barricas forradas de couro, cuícas gigantes de ronco grosso. A Zambomba, em ocasiões aprazadas, vinham cantando “abre la puerta, abre la puerta, que já quiero entrar”, e todas as portas se abriam, espanholas ou italianas tanto faz, e a cantoria invadia as casas e só se calava para que o pessoal tomasse vinho.
A Dom Bosco era uma aldeia encravada dentro da Mooca, nem mais nem menos que outras ruas, cada uma com vida própria e seus tipos característicos, como a Mariuccia Loca, que andava em andrajos e pedia às mulheres que faziam bordados para as lojas da rua Oriente: “Nanni”, me dá uma striscia? “ Queria dizer, uma tira de pano, e, sendo fita colorida, melhor ainda, e a mim me encanta que chamasse as bordadeiras pelo mesmo nome como se todas fossem Giovana, ou Giannina, cujo diminutivo há de ser, justamente, Nanní. Já na década de quarenta, Mariuccia esticava até a esquina da Barão de Jaguara com a rua da Mooca, onde a Destilaria Bandieri colocara um balcão para servir a sua última invenção, a passarella, mistura de pinga com uva passa, e copos de groselha, a inolvidável groselha Bandieri. O que movia Mariuccia era a esperança de ganhar um copo cheio, e tendo a crer que, sem subestimar a qualidade do refresco, ela tivesse maior consideração por um aperitivo que inebriou toda uma época.
Um dia, um japonesinho apareceu na rua Dom Bosco. Acabava de mudar-se para rua Ana Neri e seus pais eram fabricantes de bonequinhos de olhos puxados, destinados a habitar as cristaleiras da sala de jantar, entre miniaturas da Cinzano e flores de plásticos. Foi um dia de indescritível surpresa, mas logo o japonesinho entraria nas peladas da rua, sem que os seus novos amigos se dessem conta de que a Mooca não era mais aquela.
Autor : Mino Carta, do livro “Histórias da Mooca”
Meu bairro
Muitos forasteiros, e outros visitantes do bairro da Mooca, diziam na década de sessenta que estas áreas tinham um cheiro característico. Comentavam que, atravessando as ruas principais do bairro, entrava pelas narinas um odor de alho frito no azeite e de molho de tomate com manjericão, misturando-se com o do café e do açúcar, provavelmente da torrefação e do refino da União.
Falavam do cheiro de fumo usado na fabricação de cigarros, que saía das altas chaminés da Souza Cruz, na Rua do Oratório. Outros dissertavam sobre o cheiro da Mooca identificando-o como cheiro de fumaça, referenciando-se aos trens que passavam pela Rua dos Trilhos.
Na década de setenta, a observação era de que carros barulhentos, sons ruidosos das buzinas e sirenes, misturando-se aos cheiros dos pastéis de feira, perfumes baratos, desodorantes vencidos, mais o cheiro de gente, misturado ao odor da gordura dos churros (das madrugadas, após os bailes de formatura), feitos pelo falecido Toninho da Rua Ana Nery, acrescentado pelos cheiros de molhos de tomates das macarronadas, mais os queixumes do dialeto moquense, de "orra meu!", manifestava-se um odor sonoro, característico ao bairro.
Um cronista de um jornal de São Paulo, também antigo, dizia que a Mooca cheirava a fritura. Argumentava que o bairro era quase todo de casas baixas, existindo somente alguns sobrados, e que ao passar pelas calçadas antigas sentia-se o cheiro de temperos no feijão, o molho que refogava as macarronadas das famílias, bifes fritos em frigideiras e doces caseiros. Recordava até do "crostoli", um doce feito com massa e frito no óleo, e polvilhado com açúcar em cima.
Hoje, com o intuito de ampliar a verticalização na Mooca, os novos escritórios de engenharia desenvolvem empreendimentos que trazem o cheiro da mata (por meio de uma essência aquecida que exala o odor), sons de pássaros (eletrônicos), carros circulando e efeitos de amanhecer e anoitecer (por meio de um jogo de luzes) em sua composição.
O cheiro que conheci, e sinto até hoje na memória, um cheiro mais gostoso e agradável, eles não conseguem reproduzir: o cheiro do sanduíche "Bauru de Carne" do bar do Aníbal (na esquina da Rua Itapira com Visconde de Parnaíba), misturando-se com o odor do malte da cerveja, servido nas mesas colocadas nas calçadas, o jogo do patrão e soto, os gritos, todos fumando sem parar, blasfemando e trocando insultos, encerrado em risos e fraternos abraços.
O cheiro atraente e inconfundível... das pipocas... do "machadinho", aquele doce duro e delicioso (o doceiro quebrava o caramelo com a machadinha), e o algodão doce... vendidos na porta da escola (Grupo Escolar Eduardo Carlos Pereira).
O perfume delicioso que vinha da fábrica de chocolates Gardano. O cheiro do pão fresquinho. Cheiro de chuva caindo no chão seco, fazendo enxurrada, antecipando a enchente, à Rua Coronel Cintra e imediações.
Ainda hoje sinto na memória olfativa o cheiro de doces feitos com coco, das fábricas nas travessas da Rua do Hipódromo e da Rua Bresser. O odor da pitanga (no pé na casa da minha tia, na Rua Visconde de Parnaíba), da bananeira ao lado (a qual deu o apelido à vizinha). Cheiro de frutas do Mercado Municipal, misturando odores de cajus, maracujás, goiabas, resultando: um cheiro único, especial. Cheiro de saudade. Cheiro que ficou impregnado nas minhas lembranças. Cheiro da minha infância.
Mas o mais gostoso que eu trago na memória gustativa é o da macarronada de todos os domingos. O perfume do molho espalhava pela casa, inseridos nos bicos dos pães cortados, ocos, forrados com o miolo, impedindo que vazasse. Essa alquimia italiana minha esposa nunca conseguiu fazer igual, após muitas tentativas em achar qual tempero faltava. Talvez faltasse o cenário das ruas: a conversa que se jogava fora, junto aos vizinhos, sentados com o espaldar das cadeiras encostado aos peitos.
Esse é o cheiro da Mooca, o aroma da saudade, que muitas vezes nos traz um sentimento melancólico infinito, ligado pela memória a situações da separação desse bairro. Nos traz lembranças de experiências e determinados prazeres já vividos, que exala o verdadeiro perfume da Mooca: "Emana a combinação do frescor da lavanda e gerânio associado ao citrus da bergamota, petitgrain e limão e nuances anizadas. O corpo aromático composto de cardamono, cuminho e basilicão são enriquecidos por base amadeirada de sândalo, patchouli, o calor do musgo de carvalho e a sensualidade do musk".
Perceba, leitor, pelo olfato, na leitura deste capítulo, a emanação volátil do perfume suave e agradável, do aroma marcante da Mooca, e a fragrância da saudade. Esta sim verdadeira. Marca olfativa da Mooca dos meus amores dos meus odores. Sinta este odor, e perceba, ele é da Mooca antiga... dos anos 60... do Perfume Lancaster!
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